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Foto do escritorMarcelle Xavier

Estar em relação é se confrontar com limites do “eu” - a analogia da corrida de três pernas

Recentemente vi uma analogia entre se relacionar e brincar de “corrida de três pernas”. Esse jogo evidencia que quando estamos em relações de forte vínculo, uma tarefa tão simples quanto andar, se torna extremamente desafiadora. Nesse jogo, para caminhar precisamos alinhar e sincronizar cada movimento com o outro. E não dá para negar que todo esse alinhamento cansa, demora e até mesmo limita até onde vamos chegar.




“Sozinha vamos mais rápido, juntas vamos mais longe”

Será mesmo? Se formos analisar friamente a resposta é NÃO. Segundo dados pesquisados rapidamente por mim no Google, a maior distância percorrida em uma corrida de três pernas foi de 109,8 km. Já a maior distância percorrida em uma caminhada normal foi de 833,5 km.


É óbvio que estamos falando de algo muito mais complexo do que uma análise dos recordes, mas pra mim toda essa analogia é útil para que possamos perceber tanto as limitações de estar em relação, quanto o fato de que esse clichê nem sempre será verdadeiro. Não, nem sempre juntas vamos mais longe.


Por que estar junto então?

Pode até ser que em alguns casos eu escolha estar em uma relação para ir mais longe, mas existem vários outros motivos que fazem uma relação valer a pena.


Voltando à brincadeira da caminhada de três pernas, o motivo de estar junto, pelo menos nesse jogo, não é ir mais longe, mas talvez se divertir. Nesse caso específico, se você quer ir mais longe vá sozinho e se você quiser se divertir vá de três pernas.


Na minha experiência, tem projetos que eu opto por fazer com outras pessoas porque percebo que alguém pode assumir papéis importantes, seja para fazer algo que eu não sei fazer tão bem, seja pra fazer algo que eu não estou com disponibilidade agora, seja porque ela vai tornar o projeto melhor com suas habilidades e experiência. Nesse caso vou mesmo chegar em melhores resultados por trazer mais gente comigo.


Mas sinceramente, a maioria das vezes que eu opto por fazer um projeto com outras pessoas é porque vai ser mais divertido e/ou porque eu quero dividir o peso das responsabilidades com outras pessoas. Eu escolho fazer junto porque vai tornar mais leve o meu caminhar, porque essa relação vai me nutrir de alguma forma.


Quando NÃO estar junto é o melhor caminho

Com o tempo eu também comecei a abrir espaço na minha vida para fazer projetos sozinha, afinal, nem sempre eu vou ter energia, tempo ou vontade de estar em relação. Às vezes eu preciso de mais autonomia, ou sei que estar em relação vai me travar de alguma forma e é importante validar a escolha de ficar sozinha e quebrar o mito da arca de noé. (a velha história que só é salvo quem tem um par)


Tem alguns projetos do Instituto Amuta, por exemplo, que eu não quero perder autonomia, como é o caso do Design de Conexões. Embora existam algumas pessoas colaborando, o conteúdo e a facilitação é 100% minha pois eu quero ter autonomia, quero que esse projeto seja um transbordamento meu.


Tem também muitos casos em que eu opto por fazer um projeto sozinha porque eu não tenho tanto tempo disponível assim para tomar decisões compartilhadas, ou sei que não vou ter energia para cuidar das relações no caminho.


Por que eu não posso lavar a louça a hora que eu quiser?

Um exemplo muito simples das limitações impostas pelas relações é percebida quando decidimos morar com outra pessoa. Se eu moro sozinha, posso escolher quando vou lavar a louça, como vou decorar, até que horas eu vou fazer barulho, e por aí vai.


Mas se eu moro com outra pessoa, preciso parar, perguntar, alinhar, checar e inclusive deixar de fazer certas coisas. Estar em relação, em muitos casos nos tira um pouco de autonomia, agilidade e movimento.


Isso significa que precisamos analisar nossas necessidades, vontades e disponibilidade momento a momento. Agora, nesse momento, eu quero morar sozinha ou em comunidade? Vou passar o final de semana com minhas amigas ou sozinha? Solteira ou namorando? Trabalho colaborativo ou individual?


Nem romantismo nem individualismo

Se o romantismo nos vende a ideia de que estar sozinha é algo em regra “ruim” , a retórica do individualismo também nos vende um ideal problemático, no qual acreditamos que somos auto suficientes e não deveríamos depender uns dos outros.


Por isso acho fundamental aceitar que estar em relação é se confrontar constantemente com os limites para o “eu”. E isso não é algo necessariamente ruim, é basicamente o que significa viver em sociedade. Precisamos ampliar a nossa capacidade de lidar com as limitações do “eu” se queremos resgatar a nossa capacidade de viver em comunidades, e essa é uma necessidade urgente dos nossos tempos.


E aí? Vai sozinha ou acompanhada?

Pensar nos limites impostos pelas relações, me levou a algumas ações práticas que tenho tentado implementar.


1. Limites não violentos

Se estar em relação significa encontrar limites, é fundamental que esses limites sejam flexíveis e negociáveis. Os limites impostos pelo outro e pela relação não podem me violentar, nem a minha autonomia pode violentar o outro. Podemos nos questionar frequentemente, como podemos alargar os limites criados na relação, renegociar e até repensar como queremos estar junto?


2. ZLR (zona livre na relação)

Quando estamos nos relacionando, podemos perder bem menos agilidade, energia e autonomia quando temos clareza de quais as nossas zonas livres na relação. Por exemplo, eu tenho total liberdade para decidir o que faço no meu quarto, e tomamos decisões juntas apenas na parte da sala. Quando sei os contornos do papel que tenho em um projeto, não preciso de tantos alinhamentos. E por aí vai.


3. Sem diálogo, não tem solução

Lidar com os limites trazidos pela relação só é possível quando temos dinâmicas nas relações que facilitam que a gente converse sobre eles. Caso contrário vamos estar constantemente violentando o outro ou nos violentando. Para que relacionar não seja se encaixar e sim se conectar, é fundamental dialogar.


4. Sem tesão, não há solução

Se estar em uma relação vai me trazer limitações, ela também precisa produzir alargamentos. Seja porque é divertido, gostoso, potente - a relação precisa nos nutrir para valer a pena. Criar intencionalmente momentos de conexão é uma estratégia que inclusive vai facilitar que os nossos limites sejam cuidados e respeitados, e podemos nos lembrar que nem sempre precisamos continuar nos relacionando, ou ao menos reduzir os vínculos quando estão nos limitando e não nutrem.


E você? Como lida com os limites impostos pelas suas relações?


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