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  • Foto do escritorMarcelle Xavier

Como atrapalhar o fluxo do amor nas organizações - a falácia do modelo de competências

Edição livre do livro Nove mitos sobre o trabalho de Marcus Buckingham e Ashley Goodall feita por Marcelle Xavier


#Mito 1: Os funcionários mais completos são os melhores

Observe Lionel Messi driblando. Você verá um homem pequenino, com pés mágicos, correndo no que parece ser uma velocidade duplicada, passando por zagueiro após zagueiro, até entrar na grande área e chutar.

Aos 13 anos Messi foi levado de casa para La Masia, a lendária escolinha de base do Barcelona. Ali, deu continuidade a um tratamento com hormônios para seu problema de crescimento, e esperaram que sua estatura física alcançasse a estatura de seu talento. Nunca alcançou: ele parou em 1,70 metro, e continuou magricela como os meninos que jogam nas ruas das villas miserias argentinas.

De alguma forma, porém, isso não parecia fazer diferença. Seu dom era tão extraordinário que tornava irrelevante sua pouca altura. Ele entrou para o time principal do Barcelona aos 17 anos e tempos depois se tornaria o melhor jogador de futebol do mundo e, na opinião de muitos, o maior de todos os tempos.

E Lionel Messi não é apenas baixo, mas também canhoto. Extremamente canhoto. Sua proporção de uso do pé “bom” em relação ao pé “cego” permanece constante em torno de 10 para 1. A título de comparação, a proporção do destro Cristiano Ronaldo fica em torno de 4,5 por 1. Em outras palavras, Messi não é apenas um jogador canhoto. Ele é um jogador que faz tudo que precisa ser feito com a bola apenas com o pé esquerdo.

E no time adversário, é claro, todos têm plena consciência disso. Porém, mesmo com o prévio conhecimento de que ele vai jogar com o pé esquerdo o tempo todo, eles continuam a ser enganados quando ele movimenta o corpo na frente deles. Messi cultivou essa característica de tal forma – treinou para fazer isso com tamanha velocidade e precisão – que, em vez de ser uma limitação, lhe propicia uma vantagem constante, descomunal e desleal.

Evidentemente, ele deve ter treinado por 10 mil horas ou mais, porém, o que ele transmite, ao fintar e correr na direção do gol, não é disciplina e comprometimento, e sim alegria; alegria pura, inconsciente, irresistível em exercer seu ofício.

Messi exerce seu ofício em um dos maiores palcos do esporte mundial, mas você pode já ter sentido admiração semelhante por um colega de trabalho. A naturalidade, a fluidez e a integridade de algo feito de maneira brilhante ecoam dentro de nós, nos atraem e despertam nossa simpatia. Você também vai reconhecer a alegria de Messi quando vivenciar isso no seu próprio desempenho – ou seja, quando expressar seus próprios pontos fortes.

Essa sensação, na origem, não é gerada pelo fato de você ser muito bom em alguma coisa. Em vez disso, é criada pelo fato de aquela atividade fazê-lo se sentir bem. Um ponto forte, na definição correta, não é “algo em que você é bom”. Pode haver muitas atividades em que você seja bastante competente graças a sua inteligência, seu senso de responsabilidade ou seu treinamento disciplinado e que, no entanto, o entediam, o deixam indiferente ou até o desgastam.

O que é um ponto forte?



“Algo em que você é bom” não é um ponto forte; é uma capacidade. Sim, você é capaz de demonstrar grande capacidade – mesmo que por pouco tempo – em certo número de coisas que não lhe proporcionam qualquer satisfação. Um ponto forte, por outro lado, é uma “atividade que o faz sentir-se poderoso”.

Antes de realizá-la, você se sente ansioso. Enquanto a realiza, o tempo parece passar depressa, e um momento se confunde com o outro. E, depois de realizá-la, mesmo que esteja cansado e não se julgue preparado para fazer tudo de novo, ainda assim você se sente realizado e orgulhoso.

É essa combinação de três sentimentos diferentes – expectativa positiva antes, fluidez durante, satisfação depois – que faz de determinada atividade um ponto forte. E é essa combinação de sentimentos que produz em você a ânsia de realizar aquela atividade repetidas vezes, treiná-la continuamente, vibrar com a chance de realizá-la de novo.

Um ponto forte é muito mais apetite que capacidade, e é o apetite, na verdade, que alimenta o desejo de continuar trabalhando naquilo e que, no final das contas, produz o aprimoramento necessário para a excelência no desempenho.

Evidentemente, é possível que haja algumas atividades em que você possa ter toneladas de apetite e pouquíssima aptidão natural. De qualquer maneira, de modo geral parece que, nós, seres humanos, temos uma incapacidade congênita de sentir amor profundo por uma atividade em que somos péssimos. Em vez disso, somos atraídos por atividades que nos dão satisfação.

Cada um de nós, é claro, é diferente do outro, e por isso cada um encontra alegria numa atividade diferente. Mas o fato é que todos nós conhecemos esse sentimento. E, quando nosso trabalho proporciona esse ingrediente da alegria, quando amamos de verdade aquilo que fazemos, é aí que somos magníficos de verdade.

Stevie Wonder, que claramente entende um pouco de como cultivar os próprios pontos fortes e compartilhá-los com o mundo, foi quem melhor definiu: “Você nunca vai sentir orgulho do seu trabalho se não encontrar alegria nele. Seu melhor trabalho sempre é um trabalho alegre.”

E é isso que sua empresa espera que seu trabalho proporcione a você. Quando seus líderes dizem que querem que você seja criativo, inovador, colaborativo, resiliente, intuitivo e produtivo, o que eles querem dizer é: “Queremos que você preencha suas horas de trabalho com atividades que lhe deem alegria, com tarefas que lhe proporcionem satisfação.”

É estranho – e triste – que essa série de observações costume ser desprezada no ambiente corporativo, talvez porque os negócios estejam associados a rigor, objetividade e vantagem competitiva, e, comparativamente, a ideia de encontrar alegria no trabalho como precondição da excelência pareça uma leviandade. É como se, no mundo corporativo, a missão fosse dar um jeito em problemas, por mais penoso que seja; algo como encontrar prazer no trabalho pertenceria ao reino dos poetas.

Porém, os números não mentem. Das oito condições que são a marca das equipes de mais alto desempenho, há uma que sobressai mais que todas – em pesquisa após pesquisa, qualquer que seja o setor e qualquer que seja o país – como o indicador individual mais potente da produtividade de uma equipe. É a sensação, de cada integrante da equipe, de que “Tenho a oportunidade de usar meus pontos fortes todos os dias no trabalho”. O caráter diário na sensação de que o trabalho favorece os pontos fortes é uma condição crucial do alto desempenho.

Por algum motivo, nas melhores equipes, o líder é capaz não somente de identificar os pontos fortes de cada um, mas também de realizar alterações nas funções e responsabilidades de modo que os integrantes da equipe, individualmente, sintam que estão realizando um trabalho que demanda o uso de seus pontos fortes todos os dias.

O casamento entre os pontos fortes e o trabalho é a alavanca mestra das equipes de alto desempenho: se você puxar essa alavanca, elevará o nível de todo o resto; se não puxar, todo o resto será enfraquecido.

O problema dos modelos de competências


Até aí, nada particularmente surpreendente. Isso só torna mais surpreendente (ou frustrante, ou consternador) que, na realidade, as empresas não sejam construídas de modo a nos ajudar a identificar nossos pontos fortes especiais e a contribuir com eles.

Em seus sistemas, processos e tecnologias, em seus rituais, linguagem e filosofia, as organizações exibem uma configuração que faz exatamente o contrário: nos avaliar conforme um modelo padronizado e, em seguida, nos atormentar até nos adequarmos ao máximo a esse modelo. Ou seja, elas são estruturadas em torno do mito de que os funcionários mais completos, redondinhos e sem arestas são os melhores.

Em algum momento de sua carreira você vai se deparar, se é que já não deparou, com algo chamado “modelo de competências”. “Competência” é uma qualidade que você supostamente tem que dominar para atingir a excelência na sua função. Elas são do tipo: pensamento estratégico, orientação para metas, destreza política, perspicácia nos negócios, foco no cliente, etc. A ideia subjacente é que a excelência no desempenho numa determinada função pode ser definida como um acúmulo correto de competências.

Por isso, exige-se dos principais líderes que selecionem, a partir de uma extensa lista de competências – literalmente, são milhares à escolha –, aquelas que, na opinião geral, cada pessoa em determinada função deve possuir. As “essenciais”, no caso, incluem 22 competências de liderança, 18 competências de gestão, 45 competências de negócios e 33 competências individuais, num total de 118.

Para os cargos nos níveis mais iniciais, são atribuídas menos competências ou competências mais simples e, à medida que se sobe na hierarquia, elas tendem a se tornar mais numerosas e mais complexas. Após definirem as competências de cada função, os líderes geralmente definem um nível esperado de proficiência para cada competência.

Num modelo típico, pode-se definir que determinada função exige algumas dezenas de competências em níveis de proficiência variados. Até aqui, parece algo irretocável, ainda que um tanto rígido: um grupo de líderes se reúne para definir como acham que o funcionário ideal deve ser. O que acontece depois, porém, nos leva a águas mais turbulentas, porque, depois de criadas, essas competências estarão em toda parte.

Seu chefe e seus pares vão avaliar você com base nelas, e sua nota de desempenho geral resultará, em grande parte, de quanto você domina cada uma delas. Durante as avaliações anuais, as competências serão a linguagem utilizada para descrever seu desempenho e seu potencial: se o consenso for que você domina todas, será cogitado para uma promoção, ganhará aumento ou ficará com o filé-mignon dos projetos; no entanto, se não as dominar ou exibir lacunas em algumas delas, você será conduzido aos programas de treinamento necessários e deverá mostrar à empresa que está se esforçando para suprir essas deficiências. As competências acabarão se tornando a lente pela qual a empresa vai enxergá-lo, compreendê-lo e valorizá-lo.

É uma filosofia mais ou menos assim: vivemos num mundo de máquinas, programas e processos, e, quando eles dão defeito, temos que identificar a peça, o processo ou a linha de código defeituosa e consertá-la – pegar a disfunção e corrigi-la.

Uma filosofia criada sob pressupostos equivocados


  • Parte 1 - Baixo Desempenho: avisamos a você que suas notas mais baixas – onde você está “dando mais defeito” – são suas “áreas a desenvolver” e que o melhor caminho para um desempenho superior virá do foco incessante nessas áreas. Melhoria do desempenho vem da correção de deficiências,

  • Parte 2 - Excelência: a alta performance – a excelência – deve ser o resultado da remoção de todas as deficiências em todos os aspectos, ou seja, de tirar nota alta em todos os critérios. Excelência seria uma capacidade elevada em tudo: os funcionários completos e sem arestas a aparar seriam os melhores.

É esse mito persistente e insidioso que fundamenta a tirania das competências. Para enxergar os erros dessa filosofia, porém, basta compreender dois fatos específicos.

1. É impossível mensurar competências.



Vamos pegar “raciocínio estratégico” como exemplo. Seria um estado, algo variável e sujeito a oscilações? Ou seria uma característica, algo inerente à pessoa e relativamente estável ao longo do tempo? No terreno da psicometria, esses dois fenômenos são medidos de maneiras bem diferentes.

Habilidades e conhecimento são estados. Se testarmos você em relação a determinada habilidade ou conhecimento no Momento 1 e depois oferecermos mais treinamento naquela área, é provável que o número de acertos seja maior no Momento 2. Todos esses são estados, e é de se esperar que, como tais, mudem com o tempo.

Características, em compensação, são inerentes à pessoa. Ser extrovertido é uma característica, por exemplo. Cada um de nós possui certas predisposições individuais e padrões recorrentes de raciocínio, emoção e comportamento. As evidências apontam esmagadoramente que, embora cada um de nós possa aprender com o tempo a contribuir de maneira mais inteligente e efetiva por meio desses padrões, os padrões em si persistem ao longo da vida.

Características não podem ser mensuradas por pesquisas ou testes de habilidade. Em vez disso, é preciso medi-las usando avaliações de personalidade confiáveis e consagradas.

Antes de tomar a decisão de mensurar alguma coisa, você tem que resolver qual dos dois – estado ou característica – está tentando avaliar, de modo a escolher corretamente seu método de medição. Aí é que está o problema. Vendo por esse ângulo, que tipo de competência seria “raciocínio estratégico”? Um estado ou uma característica? Precisamos saber se quisermos medi-la.

Se achamos que uma competência é do primeiro tipo, um estado, precisamos mensurá-la com uma pesquisa que pergunte à pessoa qual o seu estado de espírito ou com um teste de verdade, com respostas certas e erradas. Não devemos nunca pedir a seu chefe ou seus pares que lhe deem notas, porque eles não têm como saber quanto você possui daquela qualidade abstrata.

E, se achamos que uma competência é do segundo tipo, uma característica inerente, precisamos usar uma avaliação de personalidade para mensurá-la, e nunca mandar você fazer um curso de “raciocínio estratégico” para aprimorá-la, porque, sendo uma característica, por definição, o treinamento não iria alterar muita coisa.

A verdade, porém, sobre competências como “raciocínio estratégico” e “destreza política”, ou qualquer outra, é que elas são uma mistura aleatória de estados e características. Não sabemos se a orientação para metas, por exemplo, é resultado do seu jeito natural de ser, daquilo que você aprendeu a fazer ou daquilo que mandaram você fazer.

Uma abordagem científica para a questão do desempenho começaria por aquilo que é mensurável, para só então estudar como essas coisas contribuíram para o desempenho. Mas as competências são configuradas de outro jeito. Começam com uma lista de todas as qualidades imagináveis que consideramos importantes para o desempenho, para só então pensar em como cada uma pode ser medida. A essa altura, é tarde demais para desembaraçar e separar os estados das características. Por isso, recaímos na atribuição de notas uns aos outros de acordo com as abstrações resultantes (que não medem, infelizmente, nem estado nem características), na esperança de que elas possam ser, de alguma forma, aprimoráveis.

E, como as competências não podem ser medidas, é impossível provar ou desmentir a afirmação segundo a qual todo aquele que atinge a excelência em determinada função possui um determinado conjunto de competências.

Da mesma forma, é impossível demonstrar que pessoas que adquirem as competências que lhes faltavam têm um desempenho maior que as que não adquirem.

Juntas, essas duas afirmações são a base da maior parte daquilo que as empresas fazem para desenvolver os talentos de seu pessoal. Porém, ambas não podem ser comprovadas – você não encontrará trabalhos acadêmicos em nenhuma publicação revisada por pares que comprove a necessidade de possuir certas competências e nenhuma prova de que adquirir as que lhe faltam garanta qualquer aumento no desempenho.


2. A excelência é idiossincrática


Certamente tanto a equipe quanto o indivíduo se beneficiariam do fato de cada um se aproximar cada vez mais do ideal do funcionário completo e redondinho. Aliás, crescimento é isso – o processo de adquirir capacidades que faltavam. Não é? Mais uma vez: não.

O que nos leva ao segundo fato: pesquisas sobre alto desempenho em qualquer profissão ou atividade revelam que a excelência é idiossincrática. O funcionário de alto desempenho completo e sem arestas é uma criatura que pertence ao mundo das teorias.

No mundo real, cada funcionário de alto desempenho é único e singular, e atinge a excelência exatamente por ter compreendido essa singularidade e tê-la cultivado com inteligência. No mundo real, cada um de nós aprende a tirar o melhor proveito daquilo que tem. Crescer, no final das contas, não é uma questão de descobrir como adquirir habilidades que nos faltam, mas de descobrir como ampliar o impacto onde já possuímos habilidade.

E, como as habilidades são diversificadas, quando estudamos grandes desempenhos, não observamos a diversidade minimizada, e sim a diversidade ampliada; em vez de conformidade, vemos originalidade.

É claro que toda função tem requisitos mínimos sem os quais a pessoa não pode ter êxito, por mais extraordinários que sejam seus outros talentos. Mesmo nesse aspecto, porém, é preciso ter cuidado ao identificar os requisitos mínimos. Afinal de contas, se incluirmos “fluência em notação musical” na lista de habilidades musicais, teríamos que descartar alguns grandes nomes. Frank Sinatra, por exemplo, era incapaz de ler uma partitura. E, se incluirmos “possuir duas mãos” como uma das características exigidas para ser pianista, seríamos forçados a excluir Paul Wittgenstein, um pianista clássico que perdeu o braço direito na Primeira Guerra Mundial. O que acontece quando mensuramos os pontos fortes e as habilidades num trabalho comum? Será que encontramos idiossincrasia ou perfeição?

Don Clifton criador da empresa Selection Research, Incorporated (SRI), que na década de 1990 comprou a Gallup dedicou-se a identificar, quantitativamente, os fatores específicos que poderiam ser detectados num candidato a emprego para prever o êxito na vaga pretendida.

Um dos primeiros estudos feitos pela SRI tentava prever o sucesso dos gerentes de bares de uma grande rede de cervejarias, em razão de uma antiga constatação de que grande parte da diferença entre um bar mediano e um bar excelente dependia, de um modo difícil de definir com precisão, das características do gerente.

Entrevistaram os gerentes medianos e os gerentes excepcionais e procuraram diferenças nas respostas.No final, eles ficaram com um conjunto de 108 perguntas que pareciam identificar os segredos do desempenho de um gerente de bar.

Porém, à medida que analisavam as pontuações dos melhores gerentes, foram descobrindo um fator mais sutil e maravilhosamente diferente. As pontuações altas dos melhores gerentes variavam – um gerente se saía bem, por exemplo, nas perguntas que diziam respeito à criação de uma atmosfera especial no pub, ao passo que outro se destacava nas perguntas sobre estoque e orçamento. Não havia padrão algum.

Eles haviam se deparado com uma lista de razões diferentes pelas quais os gerentes sobressaiam, e podiam encontrar uma definição de excelência em cada um desses aspectos; porém, em qual deles o candidato se destacava não parecia fazer diferença, desde que se destacasse em alguma coisa. Em toda ocupação estudada pela Gallup – vendedor, professor, médico, empregado doméstico – o padrão era o mesmo: aqueles que atingiram a excelência não compartilhavam as mesmas habilidades; em vez disso, exibiam combinações únicas de diferentes habilidades, em alto nível.

A excelência no mundo real, em todas as profissões e ocupações, é idiossincrática. No mundo da teoria que existe dentro da maioria das grandes empresas – um mundo preocupado com a necessidade de ordem e organização –, o ocupante ideal de cada função possui todas as competências que se pode definir ou imaginar. No mundo real, porém, essas extensas listas de competências minuciosamente definidas não existem e, mesmo que existissem, não teriam importância. Seria o imensurável em busca do irrelevante.

No mundo real, cada um de nós, por mais imperfeito que seja, luta para desenvolver o máximo da nossa combinação particular e única de características e habilidades com que fomos dotados. Aqueles que fazem isso melhor – que descobrem aquilo que amam no trabalho que realizam e cultivam esse amor com inteligência e disciplina – são os que dão a maior contribuição.

Os melhores profissionais não são os mais completos e redondinhos, que se sentem realizados por terem a capacidade homogênea ideal. Muito pelo contrário – os melhores profissionais são cheios de arestas, e nessa imperfeição amorosamente burilada é que encontram a melhor forma de contribuir, a forma mais rápida de crescer e, no final das contas, a maior das alegrias.


Mas, então, por que existem esses modelos de competências e as avaliações 360 graus, as ferramentas de feedback e os planos de desenvolvimento pessoal associados a eles?


A resposta mais simples é que, embora tenhamos plena consciência de que cada um de nós é único e que não há volume de treinamento ou de insistência que consiga alterar esse caráter único, continua sendo insuportável para um líder de equipe sobrecarregado aceitar o fato de que cada integrante de sua equipe pensa de forma diferente, é motivado por coisas diferentes, reage de forma diferente à linguagem não verbal e se empolga com tipos diferentes de reconhecimento.


Do ponto de vista da empresa, é tudo uma questão de controle. O instinto mais forte da maioria dos líderes, que enfrentam uma fervilhante diversidade não apenas de gênero, etnia e idade, mas também de pensamento, ambição e relacionamentos dentro das empresas, é procurar um jeito de exercer controle – reprimir tudo, impor conformidade ao caos, para dessa forma conseguir entender o que está acontecendo e influir no que está por vir.


Os modelos prometem rigor – um conjunto claro de características pelas quais qualquer um pode ser medido, uma espécie de comparação “de maçãs com maçãs” (embora no mundo real seja sempre “de maçãs com bananas”). Eles prometem insights analíticos – um jeito de compreender toda a força de trabalho (não é por acaso que esses sistemas são conhecidos como sistemas de gestão de desempenho, por mais contraditório que isso soe). Prometem fatos, evidências, verdades.


E, sejamos sinceros, não apenas os modelos de competências são duvidosos, mas também as ideias por trás deles: a ideia de que o aprimoramento vem da correção das deficiências; de que o fracasso é essencial para o crescimento; e de que devemos ter medo dos nossos pontos fortes. Como vimos, o que chama mais a atenção quando olhamos para a excelência no desempenho não é a falta de deficiências, e sim a presença de alguns pontos fortes característicos, trabalhados ao longo do tempo para uma utilidade ainda maior.


Mesmo assim, a ideia de preencher lacunas tem apelo – ela nos dá a esperança de que conseguiremos conter e, portanto, domar imperfeições e nos permite fazer as pazes com nossos defeitos ao nos esforçarmos para corrigi-los.


E a ideia de que o fracasso é importante, por sua vez, é sedutora, porque o fracasso nos ajuda a compreender nossas deficiências – e a encontrar outras mais. Hoje, se uma empresa de tecnologia não fala em fracassar rapidamente, pressupõe-se que haja algo errado com ela.


Mas daí vem o falso silogismo: “Portanto, comece: vá lá e fracasse! Nós aprendemos a melhorar porque aprendemos a fracassar.” Além do argumento óbvio – se tudo que uma empresa fizesse fosse tornar-se brilhante em fracassar de jeitos cada vez mais novos e cada vez mais rápidos, ela seria, claro, um fracasso –, a verdade é que um grande sucesso é um acúmulo de pequenos sucessos e que, portanto, o aprimoramento consiste em descobrir, a cada tentativa, o que funciona, dominar isso e descobrir como fazê-lo mais vezes. O fracasso em si não nos ensina nada a respeito do sucesso, assim como nossas deficiências em si não nos ensinam nada a respeito de nossos pontos fortes. E a hora em que começamos a melhorar é a hora em que alguma coisa de fato funciona, e não quando não funciona.


Há, ainda, a ideia de que nossos pontos fortes são algo a ser temido – que devemos evitar superutilizá-los, porque de alguma forma eles nos afastariam do foco apropriado no fracasso e nas deficiências, levando-nos, em vez disso, em direção à preguiça e à complacência.


Evidentemente, se pudéssemos assistir a um grande atleta treinando, a um grande escritor escrevendo ou a um grande programador programando, veríamos que o aprimoramento de um ponto forte exige trabalho árduo – não é nem um pouco fácil obter aquele ganho infinitesimal de desempenho quando já se está atuando no mais alto nível. E que nosso ponto forte não aparece onde estamos mais “prontos e bem acabados”, mas sim onde somos desafiados de forma mais produtiva.


Primeiro, precisamos esclarecer uma possível incompreensão daquilo que um ponto forte é de verdade. O ponto forte não é onde o desempenho é mais fácil para nós, e sim onde ele tem mais impacto e potencial. Ninguém mandaria Lionel Messi tentar jogar com a perna direita. Em vez disso, acompanhamos a forma como ele trabalha, incansavelmente, para tornar sua perna esquerda ainda mais poderosa.


E é com base nessas ideias equivocadas que os modelos de competências, as avaliações 360 graus, as análises de talentos, as ferramentas de feedback e muitas outras coisas são criadas – como se o mais importante para nós fosse compreender nossas deficiências, abraçar o fracasso e ter cautela com nossos pontos fortes.


Que fique claro que não estamos argumentando aqui de maneira absolutista. Não estamos dizendo que não há nada a ganhar em tentar aprimorar defeitos, ou que não devemos experimentar coisas novas por medo do fracasso. Estamos, porém, defendendo uma ordem de prioridades: que se foque primeiro e predominantemente em nossos pontos fortes e naquilo que dá certo, porque é aí que teremos mais vantagem.


O mais lamentável em tudo isso é que exatamente os sistemas que gostaríamos que fossem voltados à descoberta e à potencialização dos talentos singulares de cada pessoa acabam tendo, no fundo, o efeito de inibir esses talentos, negando aquilo que nos torna únicos. No final das contas, não estimulam o alto desempenho, e sim o atrapalham.


Como então apoiar o alto desempenho?


O que devemos, então, fazer diante de tudo isso? Como os melhores líderes conseguem montar grandes equipes no mundo real? Aqui estão três estratégias utilizadas pelos melhores líderes de equipes.


1. Volte-se para os resultados


Como líder de equipe, você está no negócio dos resultados. Você é pago para criar certos resultados para sua empresa, da maneira mais eficiente, previsível e sustentável possível, e fazer isso com criatividade, intuição e empolgação suficientes para atrair o tipo de talento de que você e sua empresa necessitarão no futuro.


Por isso:


  • Defina os resultados que deseja obter de sua equipe e seus integrantes.

  • Em seguida, busque os indicadores de pontos fortes de cada indivíduo para descobrir como cada um pode atingir esses resultados da maneira mais eficiente, incrível, criativa e prazerosa.


No instante em que você se der conta de que está no negócio dos resultados, transformará a singularidade de cada pessoa de um defeito em uma qualidade. E o que você estará fazendo, ao dar um passo atrás e prestar atenção, é adequar o papel à pessoa – o que nos conduz à segunda estratégia: ajuste o resultado.


2. Adeque os resultados


Nos anos que sucederam a Segunda Guerra Mundial, a Força Aérea americana começou a criar aviões cada vez mais inovadores e caros – a jato, velozes e difíceis de pilotar –, o que levou os pilotos a se acidentarem em níveis alarmantes.


Depois de várias investigações inconclusivas, engenheiros da Força Aérea começaram a cogitar se o problema seria o design do cockpit e se era preciso rever suas dimensões-padrão, criadas em 1926 a partir do estudo de centenas de pilotos e do cálculo de sua altura média.


Os engenheiros decidiram recalcular a média, e, em 1950, mediram as diversas características físicas de 4.063 pilotos. Quando Daniels refletiu sobre o problema enfrentado pela Força Aérea, deu-se conta de que não era apenas uma questão de conhecer a média, mas também um problema de encaixe, entre um piloto qualquer e o cockpit desenhado para o piloto médio.


À medida que o estudo progredia, ele começou a pensar em outra questão. Além da tarefa que lhe foi atribuída, de calcular a média, ele ponderou quantos pilotos da amostragem tinham, de fato, o porte da média – ou estavam até certo ponto perto da média. A resposta, quando veio, foi esta: nenhum. Não havia pilotos de tamanho médio – absolutamente nenhum. Mesmo que considerássemos apenas três das 10 características medidas, menos de 5% dos pilotos tinham as medidas médias em todas as três.


Assim como Don Clifton (Gallup) descobriu que o único previsor de desempenho era a pontuação total de certo número de variáveis relevantes – que não havia um padrão correto de habilidades, apenas uma soma correta de habilidades –, Gilbert Daniels descobriu que não havia seres humanos médios em uma população de 4.063, e que a média é um conceito matemático, e não algo que existe no mundo físico.


Eis a recomendação de Daniels para a Força Aérea americana: projetar um assento ajustável. Em outras palavras, ajustar a máquina ao piloto, e não o contrário. Você pode fazer o mesmo com a sua equipe – ou seja, ajuste o resultado exigido de cada integrante da equipe de modo a combinar melhor com seus talentos singulares.


Isso, por sua vez, suscita outra questão: se sempre adaptarmos a tarefa à pessoa, como atender a todo o leque de tarefas que precisam ser feitas? Se desenharmos um “assento ajustável” para cada uma, correremos o risco de que muitas tarefas necessárias não sejam concluídas. Daí vem a terceira estratégia: use tecnologia de equipe.


3. Use tecnologia de equipe


A diversidade não é um empecilho para a formação de uma grande equipe – pelo contrário, é o ingrediente fundamental, sem o qual uma grande equipe não pode existir. Se fôssemos todos iguais, inegavelmente haveria coisas que nenhum de nós conseguiria fazer, e que portanto a equipe não conseguiria fazer. Precisamos fazer parcerias com pessoas cujos pontos fortes sejam diferentes dos nossos se quisermos atingir resultados que exigem habilidades superiores às possuídas por cada um de nós de maneira isolada.


E isso significa, por sua vez, que quanto mais diferentes somos uns dos outros, mais precisamos uns dos outros. Quanto mais diferentes, mais temos que confiar na compreensão e na apreciação dos pontos fortes alheios, na construção de um sentimento mútuo de propósito e numa atmosfera de segurança e confiança, de modo que esses pontos fortes sejam postos em prática da forma mais útil.


Ser completo e abrangente é um objetivo mal orientado e inútil quando se trata de indivíduos; mas, quando se trata de equipes, é uma absoluta necessidade. Quanto mais diversos os integrantes de uma equipe, quanto mais esquisitos, cheios de arestas e idiossincráticos, mais completa é a equipe. As competências e todas as outras ferramentas de que dispomos, normativas e voltadas para deficiências, não nos conduzem a essa direção – de expressar e tirar proveito da diversidade. Fazem exatamente o contrário, como vimos.


Mas não precisamos jogá-las todas fora. O processo de criação delas – que em geral envolve um grupo de líderes debatendo sobre aquilo que eles mais valorizam – não deve resultar em ferramentas de medida ou padrão único, mas comunicar um coletivo de valores, prioridades, propósito e ambição. Foco no cliente, inovação, orientação para o crescimento e agilidade não são habilidades que podem ser medidas, e sim valores a serem compartilhados.


Quando deixamos nossas competências se submeterem à régua das medições, entramos em um mundo falso e perigoso – como ferramenta de avaliação, ordem e controle, elas valem menos que nada. Mas, como indicadores públicos daquilo que consideramos mais significativo, funcionam como meio de transmitir sentido e propósito em cascata e, dessa forma, ajudar nossos líderes e equipes a compreender o que é mais importante.



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