Como surfar nas flutuações das relações estimulando mas não impondo o engajamento?
Toda relação tem suas fases: tem hora que está tudo lindo, outras bate aquela insegurança, outras até um certo tédio. Tem hora que dá um pico de energia e paixão, depois pode dar vontade se afastarem outras sentimos um carinho intenso e vontade de crescermos juntos...
A gente sabe que as relações são cheias de altos e baixos, mas ainda assim temos muita dificuldade de naturalizar as flutuações dos sentimentos e das vontade do outro - tanto de querer ou não estar com a gente, quanto de como ele quer se envolver. E mais ainda, nos sentimos completamente perdidos sobre o que podemos fazer quando enfrentamos esses altos e baixos.
No trabalho de desenhar comunidades e facilitar conexões a preocupação é a mesma. No Instituto Amuta criamos uma abordagem, o Design de Conexões, e uma das preocupações frequentes levantadas pelos designers é em relação a lidar com esse fluxo variável de energia e engajamento dos participantes e do nosso papel nesses variados contextos.
Logo no início algumas aldeias (pequenos grupos dentro da comunidade) apresentam um pico de energia. E aí a pergunta que surge é: o que posso fazer para estimular, direcionar e sustentar essa energia?
Já outros grupos pareciam não estar tão envolvidos assim. Surgiu a pergunta: respeito o silêncio das pessoas como uma forma de cada um encontrar seu fluxo, ou faço algo para estimular o engajamento?
Olhando para os indivíduos é nítido notar que alguns rapidamente se conectam e ficam cada vez mais engajados, o que faz com que suas vozes sejam cada vez mais ouvidas e respeitadas na comunidade se formando. Mas a hiperconexão de alguns poderia levar a desconexão de outros? Essa foi a provocação explorada aqui pela Marina Galvão.
Esses são alguns dos questionamentos que enfrentamos nesse papel de Designers de Conexão, e penso que elas são relevantes para lidar com os altos e baixos de qualquer relação. Observando esse fenômeno repetidamente, resolvi ir mais fundo para buscar informações que nos ajudassem a lidar com esses dilemas.
Cheguei então em um modelo (não pronto) que revela caminhos que podem ajudar a surfar nas diferentes ondas de engajamento, sem querer que as pessoas se adequem a uma expectativa irreal sobre como deveriam se sentir parte.
1. A flutuação é natural
O primeiro passo para encontrar o nosso papel nesses dilemas é entender que em qualquer relação, as pessoas recebem e enxergam valor de maneiras diferentes. Especialmente em uma experiência de comunidade, as pessoas não estão "comprando uma roupa" que entrega um valor padronizado e universal. Por isso, quando queremos nutrir as relações e comunidades, é angustiante achar que:
todos deveriam estar ativamente envolvidos
todos deveriam estar igualmente envolvidos
o engajamento deve crescer consistemente com o tempo
o engajamento deve seguir uma constante e se reduzir as pessoas irão partir
2. Entendendo o nosso papel
Mas uma vez que entendemos que o nível de energia é variável, mas eu quero ativamente nutrir essas relações, eu faço o quê? Observo a importância de equilibrar a nossa vontade e possibilidade de ação, com a aceitação do fluxo natural da relação.
“I got the power” - O Design de conexões implica que temos sim algum poder de ação para influenciar e cuidar das relações e do engajamento das pessoas em uma comunidade através de uma observação atenta e gatilhos de conexão. Mas é importante entender que esse poder não é absoluto e o envolvimento do outro não depende de nós.
“Deixa acontecer naturalmente” - As relações estão no campo do fenômeno e do emergente, elas encontram o seu próprio ritmo e muitas vezes tentar forçar só atrapalha. Mas é fundamental identificar onde existem espaços de ação para não se abster no seu papel e da sua influência no sistema.
"A habilidade de um movimento se sustentar é uma questão profundamente interativa prevista pela inter-relação dos participantes: sua disponibilidade, sua relação uns com os outros, e a capacidade da organização de fazer com que se sintam empoderados, compometidos e investidos." (Bunnage 2014)
Ou seja, o engajamento de uma pessoa vai ser influenciado pelo que a organização central está propondo, mas ela depende de outros fatores.
individuais: disponibilidade emocional, tempo, vontade, desejo, história pessoal, momento de vida.
sociais: relacionamento uns com os outros e dinâmica social criada por aquele grupo específico.
organizacionais: capacidade que temos como organização de fazer as pessoas se sentirem investidas, conectadas e fortalecidas.
Fases da experiência: uma forma de surfar nessa onda
Ao pesquisar sobre as fases de engajamento encontrei uma série de referências que me ajudaram tanto a identificar o que uma comunidade ou relação precisa para evoluir conforme seu momento, quanto identificar o que uma pessoa precisa para ser cuidada conforme a fase em que se encontra naquela experiência.
A partir de referências como o caminho cárdico, o Hype Cycle, o modelo de Tuckman e o modelo de difusão de inovação identifiquei que mesmo em diferentes contextos podemos perceber o engajamento acontecendo em ondas. Percebi a partir de diferentes pesquisas o quão natural é que nem todos se engajem na mesma intensidade ou ao mesmo tempo. Dentro de times, as referências parecem apontar que é normal que antes de pico tenha um vale: as pessoas precisam aprender a se expor, se vulnerabilizar e discordar para criar a intimidade necessária para entrar em uma fase de evolução juntos.
Foi a partir do estudo de diferentes referências aliando a minha própria observação no trabalho de Design de conexões, que cheguei então em um modelo dividido em quatro fases:
Fase 1: lua de mel
Fase 2: vale da desilusão
Fase 3: zona da reclamação
Fase 4: subida na montanha
Fase 1: Lua de mel:
Sintomas:
Alta energia, entusiasmo excessivo, as pessoas enxergam predominantemente os pontos positivos, altas expectativas são criadas.
Baixa maturidade para enxergar as relações com profundidade e falta de pragmatismo para se comprometer.
Muitas pessoas abandonam relações ou experiências comunitárias porque ficam “viciadas” na emoção da lua de mel, e falta disposição para lidar com os desafios das relações.
Posologia:
Acolha o entusiasmo e crie espaço consciente para que as pessoas sonhem e criem expectativas contaminando umas às outras.
É um ótimo momento para iniciar conexões, rir, brincar junto, explorar, criar intimidade de um lugar de leveza
Traga consciência da fase que estão e alguns contornos, mas não exija tanto pragmatismo e comprometimento se as pessoas ainda não chegaram lá
Fase 2: Vale da desilusão
Sintomas:
As altas expectativas criadas somada a falta de pragmatismo e de ordem, pode levar a muitas necessidades não atendidas e sensação de “caos”
Baixa energia, sentimentos de ansiedade, medo ou insegurança, dúvidas sobre o valor da experiência ou relação.
As pessoas ainda não conseguiram articular ou não querem expor seus sentimentos
Posologia:
Tatu do bem: abra um espaço em que refletir e expor suas dúvidas ou aflições não tenha alto grau de investimento ou profundidade.
No Design de Conexões criamos um artefato de exposição rápida (1 tweet) sobre aspectos da sua experiência na comunidade que você gostaria de acolher. Ex: tatu do bem não estar afim de interagir no grupo de whatsapp.
Fase 3: Zona da reclamação
Sintomas:
os incômodos em relação as pessoas e a experiência começam a ficar mais nítidos
ainda não está tão nítido o papel que cada um pode ocupar nesse espaço e como pode encontrar a sua maneira de extrair e gerar valor na comunidade
as pessoas começam a articular e expor suas dores e reclamações
Posologia
Escuta: crie espaço para que as pessoas possam expor suas ressalvas, garantindo que elas se sintam escutadas, mas sem tentar explicar ou resolver
Auto responsabilidade: estimule que as pessoas possam abraçar seus sentimentos, identificar suas necessidades e articular pedidos claros para evolução da relação ou comunidade
É uma ótima oportunidade para aprofundar conexões de um lugar de vulnerabilidade e exploração de sentimentos.
Fase 4: Subida na montanha
Sintomas
Sentimentos de tranquilidade, estabilidade e percepção de maturidade e evolução
As pessoas tem mais nitidez do seu papel e se sentem prontas para se comprometer com o crescimento umas das outras e com a evolução da comunidade
Reciprocidade direta: as pessoas criam valor para si mesmas e para as outras
Se não houver percepção de evolução e novas aventuras, corre o risco das pessoas entrarem em uma zona de conformidade e tédio
Posologia
As pessoas que estão nessa fase, querem se comprometer com a evolução (da relação e da comunidade), e almejam novas aventuras. Por isso é importante explicitar o caminho de crescimento e oferecer espaço para ganho de responsabilidades e experimentações.
Essas pessoas que estão mais no centro já entenderam o valor da experiência, e podem ajudar as pessoas das margens a articular e nomear sua experiência encontrando seus próprios caminhos na comunidade.
Resumindo:
Pertencimento não se opõe
Não se conectar acontece
Emoções são flutuantes
Todos podem encontrar o seu lugar.
Referências utilizadas: Hype Cycle, Modelo de Tuckman, Caminho Caórdico, Art of Hosting, Sobonfu Somé (espírito da intimidade). E as provocações e referências nas conversas com Marina Galvão, Alex Bretas, Henry Goldsmid.
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