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  • Foto do escritorMarcelle Xavier

Abaixo a ditadura do pertencimento - um modelo para compreender e surfar nas ondas de engajamento

Como surfar nas flutuações das relações estimulando mas não impondo o engajamento?


Toda relação tem suas fases: tem hora que está tudo lindo, outras bate aquela insegurança, outras até um certo tédio. Tem hora que dá um pico de energia e paixão, depois pode dar vontade se afastarem outras sentimos um carinho intenso e vontade de crescermos juntos...


A gente sabe que as relações são cheias de altos e baixos, mas ainda assim temos muita dificuldade de naturalizar as flutuações dos sentimentos e das vontade do outro - tanto de querer ou não estar com a gente, quanto de como ele quer se envolver. E mais ainda, nos sentimos completamente perdidos sobre o que podemos fazer quando enfrentamos esses altos e baixos.


No trabalho de desenhar comunidades e facilitar conexões a preocupação é a mesma. No Instituto Amuta criamos uma abordagem, o Design de Conexões, e uma das preocupações frequentes levantadas pelos designers é em relação a lidar com esse fluxo variável de energia e engajamento dos participantes e do nosso papel nesses variados contextos.

  • Logo no início algumas aldeias (pequenos grupos dentro da comunidade) apresentam um pico de energia. E aí a pergunta que surge é: o que posso fazer para estimular, direcionar e sustentar essa energia?

  • Já outros grupos pareciam não estar tão envolvidos assim. Surgiu a pergunta: respeito o silêncio das pessoas como uma forma de cada um encontrar seu fluxo, ou faço algo para estimular o engajamento?

  • Olhando para os indivíduos é nítido notar que alguns rapidamente se conectam e ficam cada vez mais engajados, o que faz com que suas vozes sejam cada vez mais ouvidas e respeitadas na comunidade se formando. Mas a hiperconexão de alguns poderia levar a desconexão de outros? Essa foi a provocação explorada aqui pela Marina Galvão.

Esses são alguns dos questionamentos que enfrentamos nesse papel de Designers de Conexão, e penso que elas são relevantes para lidar com os altos e baixos de qualquer relação. Observando esse fenômeno repetidamente, resolvi ir mais fundo para buscar informações que nos ajudassem a lidar com esses dilemas.

Cheguei então em um modelo (não pronto) que revela caminhos que podem ajudar a surfar nas diferentes ondas de engajamento, sem querer que as pessoas se adequem a uma expectativa irreal sobre como deveriam se sentir parte.


1. A flutuação é natural

O primeiro passo para encontrar o nosso papel nesses dilemas é entender que em qualquer relação, as pessoas recebem e enxergam valor de maneiras diferentes. Especialmente em uma experiência de comunidade, as pessoas não estão "comprando uma roupa" que entrega um valor padronizado e universal. Por isso, quando queremos nutrir as relações e comunidades, é angustiante achar que:

  • todos deveriam estar ativamente envolvidos

  • todos deveriam estar igualmente envolvidos

  • o engajamento deve crescer consistemente com o tempo

  • o engajamento deve seguir uma constante e se reduzir as pessoas irão partir


2. Entendendo o nosso papel

Mas uma vez que entendemos que o nível de energia é variável, mas eu quero ativamente nutrir essas relações, eu faço o quê? Observo a importância de equilibrar a nossa vontade e possibilidade de ação, com a aceitação do fluxo natural da relação.

  • “I got the power” - O Design de conexões implica que temos sim algum poder de ação para influenciar e cuidar das relações e do engajamento das pessoas em uma comunidade através de uma observação atenta e gatilhos de conexão. Mas é importante entender que esse poder não é absoluto e o envolvimento do outro não depende de nós.

  • “Deixa acontecer naturalmente” - As relações estão no campo do fenômeno e do emergente, elas encontram o seu próprio ritmo e muitas vezes tentar forçar só atrapalha. Mas é fundamental identificar onde existem espaços de ação para não se abster no seu papel e da sua influência no sistema.

"A habilidade de um movimento se sustentar é uma questão profundamente interativa prevista pela inter-relação dos participantes: sua disponibilidade, sua relação uns com os outros, e a capacidade da organização de fazer com que se sintam empoderados, compometidos e investidos." (Bunnage 2014)

Ou seja, o engajamento de uma pessoa vai ser influenciado pelo que a organização central está propondo, mas ela depende de outros fatores.

  • individuais: disponibilidade emocional, tempo, vontade, desejo, história pessoal, momento de vida.

  • sociais: relacionamento uns com os outros e dinâmica social criada por aquele grupo específico.

  • organizacionais: capacidade que temos como organização de fazer as pessoas se sentirem investidas, conectadas e fortalecidas.

Fases da experiência: uma forma de surfar nessa onda

Ao pesquisar sobre as fases de engajamento encontrei uma série de referências que me ajudaram tanto a identificar o que uma comunidade ou relação precisa para evoluir conforme seu momento, quanto identificar o que uma pessoa precisa para ser cuidada conforme a fase em que se encontra naquela experiência.

A partir de referências como o caminho cárdico, o Hype Cycle, o modelo de Tuckman e o modelo de difusão de inovação identifiquei que mesmo em diferentes contextos podemos perceber o engajamento acontecendo em ondas. Percebi a partir de diferentes pesquisas o quão natural é que nem todos se engajem na mesma intensidade ou ao mesmo tempo. Dentro de times, as referências parecem apontar que é normal que antes de pico tenha um vale: as pessoas precisam aprender a se expor, se vulnerabilizar e discordar para criar a intimidade necessária para entrar em uma fase de evolução juntos.




Foi a partir do estudo de diferentes referências aliando a minha própria observação no trabalho de Design de conexões, que cheguei então em um modelo dividido em quatro fases:

  • Fase 1: lua de mel

  • Fase 2: vale da desilusão

  • Fase 3: zona da reclamação

  • Fase 4: subida na montanha

Fase 1: Lua de mel:

Sintomas:

  • Alta energia, entusiasmo excessivo, as pessoas enxergam predominantemente os pontos positivos, altas expectativas são criadas.

  • Baixa maturidade para enxergar as relações com profundidade e falta de pragmatismo para se comprometer.

  • Muitas pessoas abandonam relações ou experiências comunitárias porque ficam “viciadas” na emoção da lua de mel, e falta disposição para lidar com os desafios das relações.

Posologia:

  • Acolha o entusiasmo e crie espaço consciente para que as pessoas sonhem e criem expectativas contaminando umas às outras.

  • É um ótimo momento para iniciar conexões, rir, brincar junto, explorar, criar intimidade de um lugar de leveza

  • Traga consciência da fase que estão e alguns contornos, mas não exija tanto pragmatismo e comprometimento se as pessoas ainda não chegaram lá

Fase 2: Vale da desilusão

Sintomas:

  • As altas expectativas criadas somada a falta de pragmatismo e de ordem, pode levar a muitas necessidades não atendidas e sensação de “caos”

  • Baixa energia, sentimentos de ansiedade, medo ou insegurança, dúvidas sobre o valor da experiência ou relação.

  • As pessoas ainda não conseguiram articular ou não querem expor seus sentimentos

Posologia:

  • Tatu do bem: abra um espaço em que refletir e expor suas dúvidas ou aflições não tenha alto grau de investimento ou profundidade.

  • No Design de Conexões criamos um artefato de exposição rápida (1 tweet) sobre aspectos da sua experiência na comunidade que você gostaria de acolher. Ex: tatu do bem não estar afim de interagir no grupo de whatsapp.

Fase 3: Zona da reclamação

Sintomas:

  • os incômodos em relação as pessoas e a experiência começam a ficar mais nítidos

  • ainda não está tão nítido o papel que cada um pode ocupar nesse espaço e como pode encontrar a sua maneira de extrair e gerar valor na comunidade

  • as pessoas começam a articular e expor suas dores e reclamações

Posologia

  • Escuta: crie espaço para que as pessoas possam expor suas ressalvas, garantindo que elas se sintam escutadas, mas sem tentar explicar ou resolver

  • Auto responsabilidade: estimule que as pessoas possam abraçar seus sentimentos, identificar suas necessidades e articular pedidos claros para evolução da relação ou comunidade

  • É uma ótima oportunidade para aprofundar conexões de um lugar de vulnerabilidade e exploração de sentimentos.

Fase 4: Subida na montanha

Sintomas

  • Sentimentos de tranquilidade, estabilidade e percepção de maturidade e evolução

  • As pessoas tem mais nitidez do seu papel e se sentem prontas para se comprometer com o crescimento umas das outras e com a evolução da comunidade

  • Reciprocidade direta: as pessoas criam valor para si mesmas e para as outras

  • Se não houver percepção de evolução e novas aventuras, corre o risco das pessoas entrarem em uma zona de conformidade e tédio

Posologia

  • As pessoas que estão nessa fase, querem se comprometer com a evolução (da relação e da comunidade), e almejam novas aventuras. Por isso é importante explicitar o caminho de crescimento e oferecer espaço para ganho de responsabilidades e experimentações.

  • Essas pessoas que estão mais no centro já entenderam o valor da experiência, e podem ajudar as pessoas das margens a articular e nomear sua experiência encontrando seus próprios caminhos na comunidade.

Resumindo:

  1. Pertencimento não se opõe

  2. Não se conectar acontece

  3. Emoções são flutuantes

  4. Todos podem encontrar o seu lugar.

Referências utilizadas: Hype Cycle, Modelo de Tuckman, Caminho Caórdico, Art of Hosting, Sobonfu Somé (espírito da intimidade). E as provocações e referências nas conversas com Marina Galvão, Alex Bretas, Henry Goldsmid.

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