A aprendizagem que realmente importa é aquela que nos modifica, nos movimenta, nos desloca, nos atravessa. Usando aqui as palavras do psicólogo Carl Rogers, “é uma aprendizagem penetrante, que não se limita a um aumento de conhecimentos, mas que penetra profundamente todas as parcelas da sua existência."
Essa definição nos coloca diretamente em contato com o afeto, afinal, para algo me modificar, eu preciso necessariamente ser afetada. A palavra afeto vem de afetar, é aquilo que me atravessa e que, por me atravessar, me move. O que me afeta me transforma.
Não é muito difícil identificar quão distante estamos de uma epistemologia do amor. É realmente desafiador honrar a visão de aprendizagem que propomos aqui nos ambientes nos quais estamos inseridos.
O conteúdo é extenso, a ementa é obrigatória, o briefing é outro, o tempo é curto e as expectativas de onde queremos que as pessoas cheguem em seus processos de aprendizagem são muito fechadas. A gente se acostumou por muito tempo a aprender com especialistas, analisar, resolver problemas, encontrar relações de causa e efeito. Nossa visão reducionista para o que é aprender tirou o coração e o corpo do processo de aprendizagem.
Nossa cultura é altamente racional e verbalizada, o pensamento valorizado é o científico e acadêmico, e com isso sobra pouco espaço para sentir, experimentar, descobrir, intuir. Essa aprendizagem racionalizada prejudicou a nossa capacidade de criar vínculos emocionais, de nos afetar, e consequentemente, reduziu nossa própria capacidade de aprender com a vida.
“O método de tomada de decisão racional impede a intuição, bloqueia a emoção e impossibilita o afetar-se.” Liv Stromquist
As limitações do método racional
O método racional se torna um bloqueio à aprendizagem, porque por muitos anos a emoção foi vista como um problema, algo a ser controlado e marginalizado. A emoção foi, e ainda é em muitos espaços, uma convidada malquista.
Mas o que as pesquisas realizadas pelo neurocientista Antônio Damásio com indivíduos que tiveram lesões neurológicas indicaram é que a redução da emoção é tão prejudicial para a racionalidade quanto a emoção excessiva. Segundo o autor, é “provável que a emoção auxilie o raciocínio”, em especial quando se trata de questões pessoais e sociais que envolvem risco e conflito. Isso porque as emoções ativam mecanismos cerebrais que evoluíram para administrar nossa sobrevivência.
Essa ideia foi comprovada por estudos realizados pelo Heartmath Institute, que constataram que o coração é um centro de processamento de informações complexo que troca o tempo todo informações com o nosso cérebro. Segundo pesquisas do HeartMath Institute, as conexões neurais que transmitem informações dos centros emocionais para os centros cognitivos no cérebro são inclusive mais fortes e mais numerosas do que aquelas que transmitem informações dos centros cognitivos aos emocionais.
A emoção definitivamente apoia a memória. Segundo a neurocientista Donna Rose Addis, quando temos uma experiência emotiva, o que acontece é que a nossa amígdala, o centro emocional do cérebro que fica bem ao lado do hipocampo, aumenta a frequência deste, permitindo que se forme uma memória mais vívida dos fatos.
A limitação do pensamento racional também nos afasta do conhecimento que acontece pela intuição. A intuição é uma fonte de conhecimento que permite que nosso cérebro combine novos desafios com memórias implícitas criadas a partir de experiências anteriores. Essa combinação é feita mesmo com conhecimentos que não nos lembramos, ou sequer percebemos que tínhamos aprendido.
O problema não é utilizar a razão, e sim querer se limitar a ela, sendo que normalmente a razão vem para explicar, aprofundar, nomear aquilo que a gente já sentiu ou intuiu. Parece um papo poético (e é também), mas essa é uma descoberta feita por neurocientistas e psicólogos comportamentais. A razão é uma grande aliada, mas antes precisamos nos conectar emocionalmente com os temas que queremos aprender, precisamos de fato nos afetar para chegar ao ponto de pensar sobre algo.
“O cérebro evita desperdício de energia. Então ele só se mobiliza e gasta oxigênio e energia naquilo que faz sentido. O cérebro sabe que alguma coisa é importante para nós quando nos emocionamos. É o sentimento que sinaliza o que é relevante.” Nira Bessler
Toda inteligência é emocional
Para corroborar com a importância do afeto para que o aprendizado ocorra, recorro aqui às ideias propostas pelo neurobiólogo Humberto Maturana. Maturana se contrapõe à ideia de que inteligência emocional é um tipo particular de inteligência. Para ele, a inteligência não ocorre no cérebro e sim no comportamento e são as emoções que mudam a extensão possível do comportamento inteligente.
O aprendizado, quando é integrado, informa nosso comportamento e tomada de decisões. Mas se nossa capacidade de agir vai sempre estar relacionada a uma emoção, chegamos ao entendimento que toda inteligência é então de fato emocional.
Está cada vez mais nítido que inteligência e inteligência emocional não são coisas separadas, e além do que acontece na mente, o coração é uma fonte eficaz de orientação e temos capacidade de perceber e saber coisas mesmo quando não há raciocínio consciente.
Mas, se as emoções são tão importantes para que possamos aprender, precisamos urgentemente criar espaços de aprendizagem verdadeiramente afetivos, que contemplem não só a mente, mas também as emoções, e que informem nossas ações.
Nossas mentes estão ficando doentes de tanta sobrecarga: sobra informação e falta espaço para a emoção e a ação. Hoje nossas corporações e escolas são áridas e profundamente carentes de afeto - o design focado na “aquisição” de conhecimento promove espaços nos quais as emoções que prevalecem são apatia, tédio e indiferença. Isso quando não nos levam a emoções como vergonha, medo, preocupação e ansiedade.
Abrindo espaço para o afeto
Encontramos na ecoliteracia um modelo introduzido em 1992 conhecido como “head, heart and hands" (cabeça, coração e mãos), que se posiciona no centro do trabalho do Instituto Amuta. O modelo defende que qualquer processo de transformação é necessariamente multidimensional, ou seja, passa por apelo emocional, experiência, reflexão e suporte comunitário.
Partindo disso, podemos desenhar espaços de aprendizagem capazes de nos tocar e nos movimentar. Quais comportamentos queremos mudar e quais emoções podem ajudar a modificá-las? Quais emoções precisam então estar presentes, e como posso criar gatilhos para evocá-las? Que tipo de experiência pode possibilitar que o aprendizado seja vivido e não só discursivo?
Parece simples, mas não é. Por isso, talvez a coisa mais bonita e revolucionária que podemos fazer agora pela educação é trazer de volta o amor, o afeto e o tesão. Você tem coragem? Te convidamos para ampliar esse tema com a gente, em um encontro aberto da nossa comunidade em parceria com a novi e com o Alex Bretas . Inscrições no link: https://bit.ly/3PWPW8u
“Perder o tesão significa também se desinteressar. Assim, tesão, muito simples e resumidamente, quer significar o que sentimos sensualizando juntos a beleza e a alegria e cada coisa com a qual entramos em contato e com a qual nos comunicamos. Tesão seria, pois, a palavra que reforçaria e melhor qualificaria o amor (...)” Roberto Freire
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